Maternidade nas cidades

Maternidade nas cidades
9/5/2024

Maternidade nas cidades

Em entrevista com Carolina Munhoz, arquiteta e mãe de gêmeos, discutimos como o tecido urbano deve pensar e incluir a maternidade

A palavra mãe vem do latim, "mater" e está associada a outras duas: mamma (semelhante a "seio") e mammare (que significa "mamar"), estas últimas duas palavras estão intimamente associadas ao ato de ser mãe. Seu significado é ligado à mulher que deu à luz, que cria ou criou um, ou mais filhos. Mãe ou mamãe é música para os ouvidos de muitas genitoras ou responsáveis por outro ser. Licenças poéticas à parte, mas a realidade no Brasil e em muitas partes do mundo é outra.

Conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 56% das trabalhadoras entre 25 a 54 anos com filhos estavam empregadas em 2022. A terceira edição do estudo "Estatísticas de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil", divulgado, no começo do ano, pelo IBGE, mostra que nos casos em que não havia filhos, o nível de ocupação era de 66,2%. Essa dinâmica é bem diferente da observada entre os homens de 25 a 54 anos, para os quais a presença de crianças não limita a participação no mercado. Os níveis de ocupação deles foram de 82,8% em 2022 entre os que não tinham menores em casa e de 89% entre os que tinham crianças de até 6 anos.

Ainda segundo o estudo, as mulheres ocupadas no mercado de trabalho ainda dedicavam 19,5 horas semanais aos afazeres domésticos e ao cuidado de pessoas, enquanto os homens dedicavam 11 horas, 8,5 horas a menos, representando acréscimo de 77,27% para as mulheres. Apesar de todas as adversidades, as mulheres tentam equilibrar muitos assuntos, como a maternidade, vida profissional e pessoal. Para entender um pouco do recorte, acima, fomos bater um papo com a arquiteta e mãe de um casal de gêmeos, Carolina Munhoz Vella. Veja a seguir um pouco da nossa conversa, via e-mail, respondida num domingo à noite.

Como a maternidade mudou a sua forma de trabalhar?

"A maternidade mudou totalmente a minha forma de trabalhar. Primeiro, porque a algum tempo antes da gravidez estava trabalhando fora da arquitetura - apesar de ser a minha formação principal, tenho outras formações que me levaram a trabalhar com moda e marketing. Quando fiquei grávida, por ser uma gravidez gemelar, que fiquei a maioria do repouso por ser de risco, parei com todas as atividades, bem focada na maternidade, o que durou até os 2 anos das crianças. Quando me vi precisando retornar alguma atividade profissional, principalmente para retomar uma vida fora de casa, me reconectei novamente com a arquitetura."
"E isso tudo foi pensando no ambiente que quis criar com a chegada deles na minha casa. E com isso as casas, pensar nos lares das pessoas, virou meu objeto de estudo e um norte para minha retomada da profissão."
"Sempre acreditei que os ambientes podem nos transformar, expressar e inspirar. E, isso pode começar na nossa célula do morar, e ir se expandindo para a cidade e as relações sociais na totalidade. Segundo, porque com a maternidade pode me proporcionar um trabalho com horários mais flexíveis, me permitindo assim acompanhar mais de perto as demandas que acho importantes da primeira infância, de participar muito de perto de toda a vida e vivências deles. Costumo falar que a maternidade equivale a uma nova pós ou especialização em gestão de pessoas, conflitos, processos. Me vejo muito mais objetiva hoje para resolver qualquer questão. Além disso, acho que tudo que a maternidade desperta acaba sendo também repertório para o desenvolvimento dos projetos e os diversos olhares que passei a ter no mundo após ela."

Como você vê o papel da mulher na arquitetura atualmente?

"As mulheres ainda não são protagonistas nos papéis de relevância da arquitetura. Os homens ainda são mais reconhecidos. Acredito que temos conquistado cada vez mais espaço na arquitetura, mas ainda tem muito machismo e menores oportunidades para nós. Precisamos povoar ainda mais o imaginário e o repertório da sociedade com mais nomes de arquitetas brasileiras."

Carol, você é mãe de um casal de gêmeos, certo? E, como equilibrar a maternidade com o trabalho de arquiteta? Você possui rede de apoio?

"Sim, eu sou mãe da Sofia e do Henrique, que estão com 8 anos. É um desafio diário conciliar tudo: a maternidade, a arquitetura, o casamento e a minha vida pessoal. Cada fase tenho que fazer escolhas de onde focar. Então meu esforço é poder dar o melhor que posso para aquele momento. Possuo, sim, rede de apoio: divido muitas tarefas com o marido, tenho o apoio dos meus pais, da minha sogra e uma tia-avó das crianças, além de uma pessoa que me ajuda com as tarefas da casa. Isso me possibilita fazer meu trabalho, e nos momentos em que não estou disponível em casa sei que posso ficar tranquila, pois as crianças estão bem assistidas. Sei que sou muito privilegiada pela minha rede de apoio, e ela que me possibilita crescer e me sentir realizada com meu trabalho."
Projeto Carol Munhoz. Foto: Renato Navarro

Você trabalha em home office ou em escritório? Como funciona o processo de criação dos projetos?              

"Eu trabalho em home office, que foi uma forma de também poder estar mais perto das crianças e ter horários mais flexíveis. Meu processo de criação dos projetos passa por um estudo e tradução do que meus clientes pretendem nas casas onde moram. É um processo em conjunto, acredito numa co-criação com meus clientes - um processo vivo aonde eles vão descobrindo seus objetivos e o que querem expressar nas suas casas e eu, com meu repertório, conhecimento técnico e experiência na área, vou traduzindo estes elementos, características e sentimentos nos projetos, materializando tudo isso."

Como você equilibra sua vida pessoal e profissional como arquiteta mulher?

"É um desafio. Cada fase vai estar com um foco. Temos muitas demandas, e achar que daremos conta de tudo, ou que tudo vai ser executado com perfeição, não tem como nos fazer bem. Acredito muito, que o importante é você estar no agora inteiro, tendo seu foco e sua intenção naquilo que está fazendo no momento."

Projeto Carol Munhoz. Foto: Renato Navarro

Segundo o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), atualmente o Brasil possui cerca de 224 mil profissionais de arquitetura e urbanismo no país, destes montante, 64% são mulheres. Como você vê a representatividade das mulheres na arquitetura e o que pode ser feito para aumentá-la?

"As mulheres vêm ganhando mais credibilidade e mais visibilidade também, e somos em maior número mesmo que os homens hoje em dia. Nós temos muitos desafios, como em qualquer outra carreira, dos desafios de equilibrar a profissão com as outras demandas chamadas "femininas" como a maternidade."
"Mas eu acredito que até por isso, temos vantagem por conseguirmos pensar além e em diversos campos. Ainda sofremos muito com o preconceito de gênero, por falas como: obra não é lugar de mulher, as mulheres não dão conta de gerir obra, ou de termos menos credibilidade, ou autoridade. Acho que ainda temos muito espaço a ganhar, como em qualquer luta pela equidade de gênero. Precisamos divulgar mais nomes femininos, que a sociedade muitas vezes não conhece."

Tem alguma história inusitada envolvendo tempo de entrega ou desenvolvimento de projeto com a maternidade? Se sim, gostaria de dividir com a gente?

"Eu sempre tenho opinião de "pequenos ajudantes" quando estou desenhando algum projeto. As crianças sempre costumam vir ver e dar sua opinião. Às vezes me pedem para explicar o que estou desenvolvendo quando me veem desenhar. Também tenho reuniões online invadidas pelas crianças."

No cenário de arquitetura e urbanismo, quem é a figura icônica que mais te representa?

"Tem pessoas que me inspiram e que eu respeito o trabalho, mas acho impossível uma pessoa só nos representar, porque cada indivíduo é único. Um dos nomes que mais me inspira na arquitetura é a Lina Bo Bardi, com seu pensamento sobre a sociedade e como os projetos incríveis. Também acho incrível o trabalho da Freusa Zechmeister, arquiteta, mineira, que tem um trabalho multidisciplinar de arquitetura, cenografia e figurinos, que faz composições de materiais inusitados e também acredita no poder de utilização de materiais de reuso e demolição, isso na década de 90, quando a sustentabilidade nem era tão falada. Tenho revisitado também a obra da Rosa Kliass, arquiteta paisagista, cujos projetos também me inspiram."

Qual a sua relação com a cidade e a maternidade?

"Eu procuro pensar e debater a importância das cidades, de como ela merece ser cuidada, ter sua história preservada, de como as pessoas interagem com a cidade. A cidade tem uma história e ela está na maioria representada na arquitetura. Levar as crianças para conhecer espaços, marcos por sua arquitetura, ou que por meio de exposições falam sobre a cidade, é muito importante para mim."

Você acredita que as cidades e espaços foram planejadas para dar acessibilidade e mobilidade para gestantes?

"Houve uma evolução nos últimos anos, mas ainda temos muito a desenvolver."

Arquitetura consciente existe, é possível?

"Eu acredito que é possível. Quando você preserva a história do local, suas características, pensa em sustentabilidade, no impacto que ela gera no seu entorno e onde está inserida, de que benefícios ela pode trazer para um bairro e uma cidade, o como ela pode impactar a pessoa e a sociedade, isso para mim é uma arquitetura consciente."

Como você acha que a arquitetura pode contribuir para a igualdade de gênero na sociedade?

"Ela pode ajudar, sendo suporte para como a vida e as relações acontecem na cidade.  Empregando cada vez mais mulheres na arquitetura também."

Agora falando em avanços tecnológicos, como o uso de novos recursos como a IA (Inteligência Artificial) podem ajudar no desenvolvimento de projetos e estudos?

"A IA possui soluções ótimas para certas demandas do dia a dia. Mas, obviamente, ela é incapaz de entender e traduzir aquilo que o meu cliente gostaria de ver representado de si no seu espaço."

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