INNOVATION

O futuro dos negócios é humano

14.11.2025

Em um mundo cada vez mais orientado por dados, automação e eficiência, a Holonomics, consultoria internacional de inovação e transformação organizacional, propõe uma visão diferente: a de que o futuro das marcas está em experiências com alma — aquelas que unem propósito, empatia e coerência em cada interação.

Fundada por Maria Moraes Robinson e Simon Robinson, a Holonomics ajuda empresas a integrarem estratégia, cultura e experiência do cliente sob uma mesma filosofia: tornar os negócios mais humanos, coerentes e sustentáveis. Pioneiros no desenvolvimento de metodologias que combinam pensamento sistêmico, valores humanos universais e gestão consciente, os fundadores acreditam que a verdadeira inovação nasce quando a tecnologia e o negócio passam a servir ao humano — e não o contrário.

Nesta entrevista exclusiva para o STATE, eles explicam como o conceito de “experiências com alma” desafia o modelo tradicional das jornadas “sem atrito”, revelam como as empresas podem medir o impacto emocional de suas relações e mostram que colocar a alma no centro das decisões corporativas é, além de ético, um caminho sólido para resultados sustentáveis. Confira a seguir:

A filosofia de "experiências com alma" propõe uma nova visão sobre o modelo tradicional de jornadas do cliente "sem atrito". Como vocês enxergam o equilíbrio entre a busca por eficiência e a criação de uma conexão emocional e autêntica?

“Enxergamos a eficiência como um meio; o significado é o fim. Uma experiência com alma instila presença, dignidade e confiança. Na prática, projetamos para a empatia eficiente: caminhos claros e sensatos combinados com linguagem honesta, escolhas transparentes e serviço que trata as pessoas com respeito. Quando uma experiência apenas economiza tempo, ela é eficiente, mas frágil; quando economiza tempo e aprofunda o senso de pertencimento, ela multiplica a lealdade e o valor de longo prazo."

Muitas empresas utilizam a personalização de forma superficial, como um nome em um e-mail, por exemplo. Como uma marca pode ir além dessa abordagem e demonstrar autenticidade e propósito, de modo que os clientes sintam que estão se conectando a algo maior?

“Definimos autenticidade como a coerência máxima entre o que dizemos, o que queremos dizer e o que fazemos. Essa trindade se aplica a indivíduos e a organizações inteiras. Propósito não é um acessório da marca; é a lógica interna da marca tornada visível nas decisões cotidianas. Três testes de liderança ajudam a mover do superficial para o real: Auto-honestidade: Onde estão as lacunas entre dizer-querer dizer-fazer e estamos preparados para nomeá-las e cobri-las? Escuta de fora para dentro: Entendemos verdadeiramente como os clientes e stakeholders interpretaram o que dissemos, ou estamos projetando nossas próprias crenças e cultura sobre o feedback deles? Coerência de metas: Onde os objetivos das áreas colidem e como se resolvem para que o propósito se mantenha? As pessoas se sentem parte de algo maior quando podem ver como sua voz e seus valores genuinamente moldam o que a marca faz."

O conceito de "alma" pode parecer subjetivo para o mundo corporativo, que é orientado por métricas e resultados. Como a Holonomics mede o sucesso de uma "experiência com alma" e quais são os principais indicadores de que essa abordagem está gerando resultados tangíveis para uma empresa?

"A "alma" em si é qualitativa, mas seu impacto é mensurável. Não tentamos medir a "alma" diretamente; mensuramos a qualidade do relacionamento que ela cria e os efeitos de negócio que se seguem. Usamos indicadores de qualidade do relacionamento como pesquisas que exploram, por exemplo, confiança e equidade sinalizadas nas políticas e linguagens utilizadas pela organização e o quanto o propósito está alinhado com a forma de tratar os colaboradores. Também, utilizamos indicadores de resultado como retenção e expansão de clientes, resolução no primeiro contato e retrabalho. E utilizamos nosso AI-PS (AI Promoter Score) para verificar como a IA direciona descoberta e busca na recomendação da marca, como uma verificação de coerência externa."

O trabalho de vocês começou antes de 2015. Desde então, como vocês percebem a evolução do interesse e da adoção desse conceito no mercado? A pandemia acelerou a busca por abordagens mais humanizadas?

“Quando iniciamos este trabalho, muitas organizações tratavam a experiência do cliente como um problema de canal ou processo. Nosso argumento — agora amplamente aceito — era que a experiência é estratégica, cultural e ética. Desde então, observamos três mudanças claras, com a pandemia atuando como catalisador: De canais para coerência: menos projetos cosméticos de "CX"; mais alinhamento da experiência do cliente com estratégia e governança em nível de diretoria. De métricas para significado: indicadores como NPS ainda importam, mas os líderes agora querem ir além e entenderem o qualitativo por trás da nota atribuída pelo cliente. De apenas eficiência para humanidade adaptativa: sistemas projetados em torno de valores humanos se mostraram mais resilientes sob estresse, reconstruíram a confiança mais rapidamente e criaram uma base para o crescimento sustentável."

A Holonomics utiliza o "Holonomic Circle" como metodologia para guiar as empresas. Poderiam explicar como essa ferramenta ajuda uma organização a alinhar sua cultura e estratégia para integrar a "alma" em suas operações e na experiência do cliente?

“Muitos programas começam dividindo as jornadas em partes e otimizando cada uma isoladamente. Nós começamos articulando a essência — a "alma" da organização — e, em seguida, garantindo que essa essência seja expressa de forma consistente em todas as partes. O Holonomic Circle possibilita que a organização entenda como articular sua “alma” por meio de quatro passos importantes: Ver (See): Percepção do todo — a experiência vivida pelos clientes, a realidade das pessoas que trabalham na linha de frente, as restrições do sistema e como o significado flui através da organização. Sentir (Sense): garantir que a proposta de valor, ou seja, a promessa feita pela empresa aos clientes, é o propósito de todos na organização e está inserida na estratégia. Moldar (Shape): garantir que as relações e a comunicação sejam motivadas e fundamentadas pelos valores humanos universais. Sustentar (Sustain): criar programas contínuos para garantir o alinhamento de todos e que se reflitam nos procedimentos, programas de incentivos, métricas, treinamento,  governança etc.

Quais são os maiores desafios que as empresas enfrentam ao tentar transformar suas culturas para adotar essa filosofia? Que resistências vocês encontram, especialmente em negócios que estão focados apenas em transações e no lucro a curto prazo?

“Um dos maiores desafios hoje é que a experiência do cliente é vista como uma atividade que é de propriedade e implementada pelas equipes de marketing. A estratégia da organização é desenvolvida de forma completamente separada. Isso é um erro. A experiência do cliente é responsabilidade de cada indivíduo em uma organização, o que significa que os líderes precisam alinhar continuamente as equipes e garantir que todas as pessoas estejam focadas em entregar a proposta de valor (a promessa da marca). Quando as organizações localizam o ciclo de vida do cliente no coração da estratégia, todas as funções se alinham. Nossa ferramenta chamada Customer Centricity Strategy Framework provê um caminho ao integrar estratégia com a centralidade do cliente na organização. Sobre as resistências encontradas, vemos que o entendimento de que os tempos estão divididos em compartimentos distintos, curto - médio - longo prazo, faz com que as pessoas vejam de forma separada a busca por resultado. Na verdade o tempo é algo contínuo e o curto prazo deve estar em nome do longo, pois, este somente será alcançado se as ações e decisões de hoje estiverem alinhadas ao que se quer alcançar no futuro. Essa forma fragmentada de ver o tempo acaba atuando como um dos principais fatores de resistência."

IA vs humano?A filosofia de vocês defende que a verdadeira inovação está em construir experiências que "elevem o espírito humano". Poderiam citar um exemplo de uma empresa, talvez pouco conhecida, que já aplica com sucesso essa abordagem e está transformando seus clientes em verdadeiros defensores da marca?

“Um dos melhores exemplos que podemos citar é o trabalho de uma vida de Walter Mancini. A Famiglia Mancini e seus outros restaurantes e lojas na Rua Avanhandava em São Paulo incorporam integralmente o conhecimento, a compreensão e o espírito de um negócio administrado de acordo com os princípios de uma experiência com alma para os clientes. Sua abordagem integra generosidade e qualidade na entrega de seus produtos e serviço cuidadosamente curado — arte, música e ambiente — para criar ocasiões ao mesmo tempo acolhedoras e únicas. Os clientes não ficam simplesmente satisfeitos; eles vivenciam uma história compartilhada e retornam com amigos porque querem que outros também sintam a mesma coisa. Isso é reconhecimento nascido da coerência: uma promessa clara, um trabalho disciplinado e um respeito palpável pelo cliente tecido em cada detalhe. Como Walter Mancini diz na entrevista que deu para nosso livro Designing Customer Experiences with Soul: “Há alguns anos, meu filho me disse: ‘Pai, você pode não estar nos seus restaurantes, mas quem entra no restaurante e te conhece, sabe que sua alma está lá. Eles sabem que é sua casa e não de outro, porque seu espírito está na casa.’ Minha felicidade vem de um sentimento. Eu não vendo comida; vendo um instante de felicidade na sua vida. Servir é a coisa mais linda que conheci na minha vida.”

*Participou Clarice Santana

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