Conforme uma pesquisa recente da consultoria McKinsey, atualmente são produzidas globalmente cerca de 100 bilhões de peças de vestuário por ano - o dobro em relação aos anos 2000, somando 12 peças anuais por pessoa ou 3.000 peças por segundo. Segundo o relatório, a indústria têxtil é intensiva em consumo de recursos como água e energia, sendo responsável por 10% das emissões globais de gases de efeito estufa. O setor brasileiro é o quinto do mundo em produtividade e está entre os maiores empregadores do país, informa o relatório.
Em terras brasileiras, são produzidas 6 bilhões de peças de vestuário por ano: 28 por habitante, algo em torno de 190 peças por segundo. Os dados da consultoria mostram que 92 milhões de toneladas de resíduos pós-consumo ao ano são um desafio para a indústria, empresas e governo. O desperdício dos tecidos vem gerando muitos danos ambientais e à saúde, uma vez que 80% dos resíduos têxteis são incinerados, levados para aterros ou acabam em lixões, de acordo com a Fundação Ellen MacArthur, uma ONG internacional dedicada à promoção da Economia Circular (EC).
A expressão “Nova Economia” apareceu pela primeira vez em 1983, na revista americana Time. A publicação, escrita pelo jornalista Charles P, já apontava para uma tendência. O comunicador afirmava, na época, que "o sofrimento das indústrias tradicionais" era causado pela "concorrência estrangeira, as novas empresas e tecnologia", que iriam liderar o mundo em inovação.
Um pouco mais de quatro décadas depois, o termo Nova Economia pode ser usado para descrever o cenário econômico mundial influenciado pela tecnologia, que continua sendo impulsionado pelo principal fator: o ecossistema de inovação. Esse ambiente propicia, inclusive, a criação de novos modelos de negócio, que, ao contrário dos antigos lineares, adicionam a conta do desenvolvimento econômico, a regeneração social e ecológica, princípios basilares da EC.
Neste contexto de circularidade, a indústria da moda enfrenta desafios significativos. A organização Ellen MacArthur aponta que menos de 1% dos resíduos têxteis são reciclados em novos materiais têxteis, num processo chamado upcycling, que enfrenta barreiras tecnológicas e fiscais para ganhar escala. Outros 13% são transformados em produtos de menor valor agregado, como forros e enchimentos, no chamado downcycling.
Apesar do aumento na reutilização de roupas por meio do crescimento do mercado de segunda mão, o descarte de tecidos ainda gera perdas globais de US$ 500 bilhões anualmente, conforme os dados da pesquisa da Fundação Ellen MacArthur, realizada com o apoio da estilista Stella McCartney, Nike e H&M, estas duas últimas conhecidas por desafios em suas cadeias produtivas relacionados a questões trabalhistas e ambientais. A fundação defende a aplicação da chamada Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) aos têxteis, o que torna os resíduos pós-consumo responsabilidade de quem os colocou no mercado.
Práticas circulares, como sistemas de aluguel e revenda, a valorização de designs mais sustentáveis e adoção de materiais reciclados, contribuem, significativamente, para não só a redução de impactos na natureza mas também na influência de um consumo mais consciente.
O movimento em direção a um consumo mais consciente e equilibrado já chegou às marcas. Segundo os estudos da McKinsey, mais de 3 em cada 5 consumidores revelam que o impacto ambiental é um fator importante quando precisam tomar uma decisão de compra, dando ainda mais força a essa tendência e pressionando as marcas a olharem para soluções inovadoras e sustentáveis.
Para a Geração Z - ou seja, aqueles que nasceram entre 1995 e o início dos anos 2000 -, esse fator é especialmente importante. Esse grupo populacional demonstra seu protagonismo e influência para além de um discurso sustentável, exigindo, de maneira gradual, que as marcas implementem as melhores práticas sustentáveis, tese confirmada pela pesquisa “Geração Z pelas lentes latinas”, realizada pela Consultoria Especializada em Comportamento, Grupo Consumoteca.
A pesquisa abrangeu dois mil jovens de 17 a 24 anos, das classes A, B e C, residentes na Argentina, Colômbia, Brasil e México, e concluiu que 50% deixariam de consumir uma marca caso esteja envolvida em polêmicas ambientais. Metade dos entrevistados da Geração Z também consideram importante consumir marcas comprometidas com responsabilidade ambiental.
Esse público opta por compartilhar seu ato de consumo para além da compra, se estendendo para uma troca de valores éticos, que se não compartilhados ou representados, abandonam o consumo da marca. No Brasil, essa parcela da população representa cerca de 12,7% da força de trabalho e 12,4% da população economicamente ativa (PEA), é o que aponta o relatório de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com um grupo populacional tão expressivo, as marcas têm buscado incorporar em suas produções maiores estratégias da economia circular. Com projetos e iniciativas de promover tecidos reciclados, logísticas reversas e campanhas de conscientização; as companhias têm destacado a importância do consumo mais inteligente e, mostrado que buscam se conectar com seu público na sua individualidade - levando a um benefício coletivo.
A inovação e tecnologia são outros pilares que agregam e se tornam indispensáveis para a economia circular. Além das marcas, muitos designers têm buscado explorar novos processos tecnológicos, usando da biotecnologia para criar tecidos biodegradáveis ou usando técnicas de upcycling com resíduos orgânicos para desenvolverem novas peças.
Para entender como a inovação pode redefinir a indústria da moda, o NOTTHESAMO e o STATE bateu um papo com a Thamires Pontes, CEO da PhycoLabs, startup de base biotecnológica que produz fibra têxtil de algas marinhas, rendendo o prêmio Global Change Award 2023, equivalente ao “Nobel da Moda”. Instigou? Chega mais!
“Acredito que minha conexão com a natureza, especialmente com o mar, seja a raiz de tudo. Nasci e cresci à beira mar em João Pessoa na Paraíba, rodeada por uma beleza natural exuberante. Essa proximidade com o oceano e a sensação de mergulhar em outro mundo, veio à consciência da importância de preservá-lo sempre foram muito fortes em mim.
Ao longo da minha carreira na indústria têxtil, comecei a perceber o grande impacto ambiental que a moda convencional causava. A produção de roupas, desde a matéria-prima até o descarte, gera uma quantidade enorme de resíduos e poluição. Essa realidade me incomodava profundamente e me impulsionava a buscar alternativas mais sustentáveis.
Durante meu mestrado, ao me aprofundar no estudo de materiais têxteis, descobri o incrível potencial das algas marinhas. A possibilidade de criar fibras têxteis a partir de um recurso natural abundante e renovável, como as algas, me fascinou. Foi nesse momento que percebi que a moda poderia ser um agente de transformação positiva, contribuindo para um futuro mais sustentável.”
“Acredito que a tecnologia é a nossa maior aliada na construção de um futuro mais sustentável. Ela nos permite otimizar processos, criar novos materiais mais ecofriendly e até biodegradáveis, gerenciar resíduos de forma eficiente e promover a economia compartilhada. Na Phycolabs, estamos usando a tecnologia para transformar as algas marinhas em fibras e fios mais amigáveis com o planeta. A tecnologia nos permite criar um futuro onde os recursos são utilizados de forma eficiente e os resíduos são minimizados, tornando a economia circular uma realidade.”
“Imagina que em um futuro próximo, a moda inspirada em outros setores, vai usar inteligência artificial, biologia sintética criando ecossistemas conectados. Acredito que a inovação é a chave para a transformação da indústria da moda em um setor mais sustentável. Através da inovação e biotecnologia, podemos desenvolver novas tecnologias e materiais que reduzam o impacto ambiental da produção de roupas, como fibras têxteis biodegradáveis e processos de tingimento mais limpos. Além disso, a inovação nos permite repensar o modelo de negócio da moda, incentivando a economia circular e o consumo consciente. Com a natureza e a inovação andando de mãos dadas, podemos criar uma indústria da moda que seja não apenas esteticamente agradável, mas também ética e regenerável.”
“A Geração Z está transformando a indústria da moda de maneira profunda e inovadora — ou pelo menos, esse é o meu lado otimista falando. Criada em um mundo altamente conectado e cada vez mais atento às questões ambientais e sociais, essa geração pode, ou melhor, deveria (fica aqui a provocação), priorizar marcas que compartilhem seus valores de sustentabilidade e ética.
A preocupação com o impacto ambiental da produção, a valorização da diversidade e a exigência por transparência na cadeia produtiva são características marcantes desse grupo. O modelo de fast fashion está gradualmente cedendo espaço para a slow fashion, que valoriza peças mais duráveis, de qualidade superior e com menor impacto ambiental. Além disso, a Geração Z tem impulsionado o crescimento do mercado de segunda mão e o aluguel de roupas, fortalecendo a economia circular.
Essa nova forma de consumir moda demonstra que é possível unir estilo, responsabilidade e consciência — e contribui significativamente para redefinir o futuro do setor. Em paralelo e de forma contraditória é essa mesma geração que opta por comprar artigos falsificados e promovem essa prática em suas redes sociais. Vendo isso sempre me vem uma questão filosófica ‘para algo ser original precisa ser copiado?!’ Talvez Yoshi Yamamoto estava certo quando dizia para copiar, copiar, copiar o que você ama até encontrar você mesmo.”
“O modelo que busca minimizar o desperdício e maximizar a reutilização de recursos encontra nas fibras de algas um poderoso aliado. Extraídas de um recurso natural abundante e renovável, essas fibras oferecem uma alternativa sustentável aos materiais têxteis tradicionais. Além disso, o cultivo de algas beneficia os oceanos, sequestrando carbono e fornecendo habitat para diversas espécies marinhas. Incorporar fibras de algas na indústria têxtil é um passo significativo rumo a uma moda mais sustentável e alinhada com os princípios da economia circular.”
“As fibras de algas desenvolvidas pela Phycolabs representam uma verdadeira revolução na indústria têxtil, oferecendo uma alternativa sustentável e inovadora. Para se conectar com o público jovem, que está cada vez mais engajado em questões ambientais, as marcas podem adotar materiais alternativos como esse e destacar sua contribuição para um futuro mais consciente. Transparência no processo de produção, rastreabilidade dos materiais, design exclusivo e uma narrativa autêntica sobre sustentabilidade são essenciais para criar uma conexão genuína. Em um recente seminário para a Folha de S.Paulo, comentei: "Muito em breve, estaremos vestindo vocês com algas marinhas." E é exatamente nisso que acredito e que me motiva todos os dias a continuar desenvolvendo fibras e fios inovadores na Phycolabs.”
“A moda sustentável ainda está em seus primeiros passos, mas o potencial para seu crescimento é enorme. A inovação é o motor dessa transformação, e materiais como as fibras de algas da Phycolabs mostram que a criatividade não conhece limites. No entanto, inovação sozinha não basta.
É fundamental promover uma colaboração profunda entre marcas, designers, cientistas e governos para criar um ecossistema onde a sustentabilidade se torne o padrão com regulamentações séries. A indústria têxtil precisa se reinventar, adotando práticas mais limpas, éticas e transparentes. O futuro da moda está ao nosso alcance e depende de ações coletivas para construir um mundo onde beleza e sustentabilidade andam juntas.”
Solução que leva luz para comunidades afastada já transformou a vida de mais de 1 milhão de pessoas, em lugares como Índia, Filipinas, Argentina e Bangladesh, onde a luz elétrica ainda é um privilégio para poucos.