Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a prática de atividade física recomendada para as crianças é de 60 minutos diários. A estruturação tem como meta o desenvolvimento sustentável até 2030, entre os seus Objetivos de Desenvolvimentos Sustentável (ODS) está o de saúde e bem-estar. Quatro a cinco milhões de mortes por ano poderiam ser evitadas se a população global fosse mais ativa fisicamente. Estimativas globais indicam que 1 em cada 4 adultos e 3 em cada 4 adolescentes (11 a 17 anos), mais precisamente 27% de adultos e 81% de 11 a 17 anos, não atendem às recomendações de atividades físicas definidas pela OMS.
Diante deste cenário, a OMS lançou o “Let’s be active” (em tradução: "Vamos ser ativos"), um plano global para estimular a atividade física. De maneira geral, a meta é reduzir a prevalência do sedentarismo entre adolescentes e adultos em 10% até 2025 e em 15% até 2030. Para a OMS, as crianças devem se sentar menos e brincar mais para crescerem saudáveis.
"O movimento é fundamental para o amadurecimento, ele é tão necessário quanto o sono e a alimentação", destaca a organização em suas diretrizes sobre a infância.
Conforme a ordem, é brincando que a criança põe seu corpo em movimento, utiliza recursos motores e cognitivos, desenvolve coordenação, tonicidade muscular, equilíbrio, noção de espaço e tem consciência de suas possibilidades.
"A mobilidade traz um senso de direção e cuidados com o perigo", afirma o médico homeopata, clínico de adultos e crianças, Mestre e Doutor em Psicologia Clínica, Dr. Eduardo Goldenstein, sobre a importância da mobilidade no desenvolvimento infantil.
Para Goldenstein, outro fator importante para o desenvolvimento da criança é que os "pais deixem as crianças viverem perigos controlados".
"Eu me lembro muito das minhas filhas, quando eram menores e subiam nas árvores da escola, elas viam o mundo diferente. Elas podiam usar a sensibilidade que só a mobilidade pode trazer. E, isso é fundamental na vida, para o desenvolvimento da criança", recorda o médico.
"Atualmente, os estudos mais recentes têm revisto a classificação de sedentarismo da OMS (Organização Mundial da Saúde), na qual, para se classificar alguém como sedentário, considera apenas os minutos de atividade física semanal (150min moderada / 70min intensa) como parâmetro. O que se tem apontado hoje em dia é o NÍVEL de atividade física que a pessoa realiza cotidianamente, ou seja, para sair do comportamento sedentário e, principalmente, para haver uma renovação e modelamento de tecidos que provoque um estado de saúde e bem-estar, não basta realizar estes 150 min moderados ou 70 min intensos na semana, mas ter um comportamento ativo cotidianamente", destaca o educador físico especialista em corpo e movimento infantil, Marcos Santos Mourão, conhecido como Marcola pelos seus alunos do Espaço Ekoa, escola de educação infantil e ensino fundamental que valoriza a infância e privilegia o brincar.
Segundo Mourão, "a sociedade brasileira de cardiologia tem afirmado que qualquer pessoa que ficar mais de três horas por dia sentadas ou paradas são consideradas SEDENTÁRIOS. Precisamos estar ativos o tempo todo. Não quer dizer que as pessoas precisam fazer exercícios o tempo todo. Mas é preciso que as pessoas SE MOVAM a maior parte do tempo possível".
"Eu ando, porque a escola é aqui pertinho, e tem gente que mora aqui perto e não anda a pé, anda de carro que polui o meio ambiente, e você pega mais trânsito do que a pé", afirma Nina, 8, estudante do ensino fundamental.
Assim, como Nina, estima-se que 40% dos brasileiros se desloquem a pé, segundo a pesquisa realizada em 2017 pela Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP). E, se incluídos os 28% que se deslocam em transporte coletivo, que permite trecho a pé no início ou no final da jornada, os deslocamentos a pé chegam a 68% do total. Ou seja, em torno de 130 milhões de pedestres se movimentam pelas ruas brasileiras todos os dias.
Apesar de não ser computado, o movimento de crianças que se locomovem a pé ou de bicicleta tem chamado atenção para a mobilidade infantil. Segundo a pesquisa do IBOPE Media, 2014, às crianças passam, em média, 5h35 em frente à TV, com impacto na saúde de mais 30% das crianças brasileiras que apresentam sobrepeso, conforme dados do IBGE, realizados em 2010.
"É uma energia super contagiante de interagir com a cidade, através da bicicleta e da ciclovia", diz o arquiteto, empreendedor e urbanista Pedro Nitsche em entrevista, via aplicativo de WhatsApp, com o STATE.
Desde 2022, o inventor faz um trajeto de 20 minutos a pé, ou de bicicleta - num tempo menor, com uma turminha de pequenos cidadãos até a escola. A trupe, formada por 7 crianças (entre 8 a 12 anos), faz o trecho Higienópolis e Santa Cecília para chegar ao seu destino.
"Eu e a minha ex-mulher, nos organizamos para, colocar elas (as crianças) numa escola que seja perto de casa e acho que isso é o sonho de todo o pai, né? Então, procuramos uma escola perto do bairro, e, a gente percebeu que era melhor ir a pé do que de carro, porque o carro não tem onde parar, tem trânsito, o carro paralisa a rua da escola com aquele entra e sai, que a gente já conhece", relembra Nitsche, pai de duas meninas de 11 e 8 anos.
Segundo o empresário, as mudanças no bairro começaram a surgir. "Os bares de esquina, às vezes até aquele garçom que atende na calçada, sabe? Ele ajuda na travessia, porque o grupo de bicicleta é grande e o farol abre, e os carros querem atravessar. E, a gente ainda está no meio da travessia", responde, Pedro, sobre a questão da segurança.
Outro ponto que chama a atenção é a "conexão de gerações", "Os idosos aplaudem, param para observar, é realmente uma festa", conta o urbanista.
O arquiteto afirma que o movimento começou para incentivar as crianças a fazerem o trajeto de maneira lúdica. Segundo ele, "hoje as crianças não são só ativistas, mas super atentas, já pegaram a manha, já sabem atravessar, usar a luzinha, buzinar e parecem um mini exército de andadores de bicicleta mesmo", comenta o empreendedor.
A postura de Nitsche, sobre o incentivo infantil de mobilidade com liberdade vai de encontro com o pensamento do médico homeopata, Goldenstein, "as crianças precisam brincar, precisam ousar e os pais precisam deixar elas fazerem isso. Hoje tudo é tão perigoso, que o desenvolvimento acaba sendo limitado".
"Tem um escritor que fala muito sobre isso, o Tim Gill, em seu livro denominado "Sem Medo Crescer numa sociedade com aversão ao risco" de 2014, lá ele defende a diferença entre liberdade e negligência, onde a criança precisa de uma liberdade controlada. Subir em árvores, e terem ousadia. Sem tudo ser perigoso", afirma o médico.
Segundo o autor e pesquisador, Tim Gill citado por Goldenstein, se queremos que as crianças cresçam saudáveis, vivenciando a conexão com a cidade, sendo capazes de circular com autonomia e confiança, não vai ser passando todo o seu tempo em construções encaixotadas que elas vão conseguir. Gill é pesquisador e escritor baseado em Londres cujo trabalho se concentra nas brincadeiras infantis e no tempo livre. Além de ter liderado um esforço global bem-sucedido para criar parques infantis mais aventureiros e emocionantes, o autor construiu argumentos académicos para reconectar as crianças com a natureza.
"Uma criança que fica na tela o tempo todo, não tem a capacidade de uma fantasia, pois a tela já é uma fantasia criada. Quando a criança está rodando pela casa e brincando, ela cria uma fantasia dela, uma percepção dela. Experimentando o mundo, como e quando podem", conclui o homeopata e pediatra.
Para Mourão, "na infância o corpo em movimento é a forma de se relacionar com o mundo, com as pessoas, com os lugares, espaços e materiais. A criança conhece a si mesma e o outro agindo com o próprio corpo. Para que possa elaborar um conceito abstrato, cognitivo, é essencial que tenha experiências sensoriais e motoras. A primeira forma de inteligência é corporal. Além disso, quando a criança se movimenta, aprende a gostar de movimento, evitando estados prolongados de inatividade".
Sobre o conceito urbano de cidade de 15 minutos - popularizado por Anne Hidalgo, prefeita de Paris, e inspirado pelo cientista franco-colombiano Carlos Moreno em 2016, no qual a maioria das necessidades diárias pode ser atendida a pé ou de bicicleta a partir das casas dos moradores, Mourão dispara: - "Acho importantíssimo, eu mesmo me desloco diariamente a pé (correndo) de casa até o trabalho (8km). Ocorre que a cidade de São Paulo, assim como muitas no Brasil, não favorecem o pedestre, mas o transporte individual, com poucos espaços, buracos na rua, desníveis nas calçadas, etc".
Segundo dados da pesquisa TIC Kids online, produzida pelo Comitê Gestor da Internet (CGO). Ao todo, 95% das crianças e adolescentes de nove a 17 anos acessaram a internet em 2023. Nas classes AB, 93% acessaram a internet mais de uma vez por dia, nas classes D e E esse percentual caiu para 71%, sendo que a média foi de 83%. Em 2023, 24% dos entrevistados relataram ter começado a se conectar à internet desde o período da primeira infância, ou seja, antes dos seis anos. Em 2015, essa proporção era de 11%. Entre as crianças de nove a 10 anos, 68% disseram ter perfis em redes sociais.
"Não condeno as telas pelo comportamento sedentário. A questão é mais ampla, envolve comportamentos familiares, alimentares, de lazer, de relação com o espaço público e privado", enfatiza o educador.
Sobre o uso de telas na trupe da Bike, Nitsche, conta que "a escola comenta que a turma chega mais calma e concentrada em comparação com outros alunos", afirma Pedro ao informar sobre a queda na interação das crianças com os eletrônicos.
Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, apenas nas áreas urbanas, as crianças - entre 0 a 12 anos, como define o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, representam 19,7% da população. O avanço nas cidades tem chamado a atenção em como as crianças vivenciam as metrópoles e como o trajeto pode influenciar na saúde física, mental e no sentimento de pertencimento.
Além de movimentos formados pelos responsáveis dos pequenos, começam a aparecer iniciativas independentes como o "Carona a Pé”, criado em 2015, por meio de uma ideia da professora de uma escola de São Paulo.
"Falam que o carro é melhor, porque você não vai gastar a sua energia para fazer outras coisas, mas o que você vai fazer é poluir mais o meio ambiente e pode ter uma seca muito forte e os seres humanos podem morrer", enfatiza Nina, de 8 anos.
"Um beijo, tchau! E, não matem o meio ambiente, se não todo mundo vai morrer. Façam isso, e todos vamos morrer daqui alguns anos", finaliza Nina, que caminha diariamente desde os 2,5 de idade.
Solução que leva luz para comunidades afastada já transformou a vida de mais de 1 milhão de pessoas, em lugares como Índia, Filipinas, Argentina e Bangladesh, onde a luz elétrica ainda é um privilégio para poucos.