Nos últimos 10 anos tem crescido a demanda por infraestrutura laboratorial no mundo. De prédios super modernos construídos do zero ao retrofit de galpões adaptados para receber empresas relacionadas a ciências da vida e biotechs. Alguns lugares possuem uma grande concentração destes tipos de infraestrutura, como por exemplo a região de Boston nos EUA, Oslo na Noruega ou Jinan na China. Estes lugares tem recebido enorme injeção de capital de empresas, investidores imobiliários, incorporadoras e fundos de private equity e de venture capital.
São prédios/estruturas criadas ou adaptadas para hospedar laboratórios e atender a demanda de universidades e empresas relacionadas a ciências da vida, isto é, empresas que desenvolvem pesquisas com organismos vivos como plantas, animais ou seres humanos. Traduzindo para indústrias, a que mais se destaca é a farmacêutica, mas também há muitos prédios deste tipo sendo criados para atender a crescente demanda de indústrias de processamento de alimentos, cosméticos, agronegócio, biotecnologia e meio ambiente, entre outras.
Estes prédios precisam atender a uma série de normas e regulações de saúde que garantam a ocupação segura por parte de seus inquilinos. Regras para circulação de pessoas, câmaras especiais para o armazenamento de insumos, tipos de materiais utilizados na construção, temperatura exata em ambientes e o isolamento de algumas salas são apenas alguns dos itens no check-list de um prédio deste tipo. Não esquecendo de mencionar a forte demanda de energia elétrica, a qual é muito superior a um tradicional prédio de escritórios, por exemplo.
Há empresas especializadas em construir e gerir life science buildings, como a Breakthrough Properties ou a BioMed Realty Trust, a qual possui em seu portfolio ativos imobiliários em cidades como Boston, San Francisco, Seattle, entre outras. Em 2016, a BioMed Realty foi comprada pelo Blackstone, um dos maiores fundos de private equity dos EUA, por aproximadamente US$ 8 bilhões.
Entre alguns life science buildings interessantes, destaco:
Construído em Nova Iorque em 2017 com investimento da Universidade de Columbia, o Jerome L.Greene Science Center tem mais de 40mil m2 com dezenas de laboratórios distribuídos ao longo de 9 andares. O prédio abriga o Zuckermann Institute e recebe milhares de engenheiros, pesquisadores, cientistas, psicologos e estudantes e é um dos maiores e principais hubs dedicados a neurociência no mundo.
A arquitetura interessante é composta por estruturas metálicas e vidro, além de ser um projeto desenhado para estimular o encontro e a colaboração entre as pessoas. O andar térreo é aberto ao público e possui diversas cafeterias, coworking spaces, lojas, galerias e restaurantes. Além disso, o prédio também oferece studios/residencia para artistas, estimulando a interação da ciência com a arte e a criatividade. https://zuckermaninstitute.columbia.edu/
Comprado em 2019 pela Breakthrough Properties, o antigo prédio de armazém começou a ser reformado para dar vida ao projeto de um hub cujo objetivo era unir cientistas e empreendedores para desenvolverem pesquisas e criarem empresas. O prédio não chegou nem na metade de sua reforma e recebeu uma proposta para aluguel total dos seus 26 mil m2 pela CRISPR Therapeutics, uma startup Suiça de biotech focada em edição de genes e avaliada em mais de US$ 7 bilhões.
Além do The 105, vale entendermos quem é a Breakthrough Properties: uma joint venture entre Bellco Capital, fundo de venture capital criado pelo pesquisador sobre cancer Arie Belldegrun, e a empresa de real estate Americana Tishman Speyer. A Breakthrough nasceu com o propósito de criar as melhores infraestruturas físicas laboratoriais e com foco no usuário do laboratório. Mas o mais interessante é que a empresa têm uma forte visão de criação de comunidade e possui uma plataforma full-service com soluções para biotechs, incluindo mentoria, conselhos científicos, desconto em insumos e acesso a uma grande rede de investidores.
Além dos Life Science Buldings, tem crescido o número de laboratórios compartilhados multi-usuário para biotechs. Estes oferecem uma grande vantagem para startups em estágio inicial, pois permite o acesso imediato a equipamentos que elas não teriam recursos para comprar hoje ou que teriam dificuldade para acessar em universidades. A facilidade e o baixo custo facilitam o acesso e estimulam a criação e desenvolvimento de mais startups na região.
Oferecem laboratórios privativos ou compartilhados para startups de biotech early stage. A startup não tem nenhum custo de set-up e paga um membership + locação para usar. Além dos labs, as startups também tem acesso a estações de trabalho, salas de reunião, salas para estudo, espaço de eventos e recepção. O SmartLab possui algumas unidades em Boston e tem planos de expandir para o resto dos Estados Unidos.
Semelhante ao SmartLabs na proposta, o Biolabs já se tornou uma rede e já está presente em 8 cidades dos EUA, incluindo New York, Boston, Los Angeles, San Diego, e outras. A empresa criou uma grande rede de parceiros e um marketplace para soluções e compras de insumos. Entre os seus sponsors, estão a Sartorius, a Bayer e a ThermoFischer Scientific, líder global no fornecimento de equipamentos para laboratórios.
Iniciativa Brasileira com objetivo de fomentar o ecossistema de biotechs e ajudar os cientistas empreendedores a desenvolverem suas pesquisas e negócios oferecendo infraestrutura laboratorial de ponta ready-to-use e acesso a uma rede de empresas, investidores e mentores dentro de um grande hub de inovação.
Hoje, no Brasil, para um cientista empreendedor ter acesso a um laboratório de ponta, ele precisa: 1) estar vinculado a uma universidade, a qual automaticamente irá ficar com, pelo menos, 1/3 da propriedade intelectual e muitas vezes os equipamentos que ele precisa não estão disponíveis; ou 2) entrar em editais, como o PIPE/FAPESP por exemplo, para poder comprar os seus equipamentos. Em média, o processo de compra demora 6 meses para ser aprovado, mais 3 para liberar o dinheiro e mais 3 meses de espera para importação e recebimento. Isto é, leva em torno de 12 meses para o cientista empreendedor poder usar o equipamento e ele ainda corre o risco de não conseguir pagar devido a variação do cambio.
Semelhante ao SmartLabs e o BioLabs, o Kori Bio irá oferecer estrutura laboratorial de ponta, multi-usuário, flexível, sem burocracia, equity-free e sem custo de investimento inicial. O projeto está em construção em São Paulo e será inaugurado na metade de 2021.
Universidades costumam ser o maior drive para o crescimento de distritos de inovação em ciência da vida e grandes empresas se dispõem a pagar custos de aluguel até acima do mercado para ficarem próximas dos centros de pesquisas, laboratórios, talentos e startups que lideram a inovação. É nítido ver a relação entre a criação de inovação e a demanda por infraestrutura e desenvolvimento imobiliário nestas regiões. Além de empresas, estes distritos também atraem investidores de venture capital, advogados de patentes, fornecedores de equipamentos, cientistas e empreendedores, entre outros, e são o berço de muitas startups.
Estes distritos não apenas fomentam a criação de novos laboratórios e prédios comerciais, mas influenciam positivamente nas cidades com demanda para construção de moradias, parques, entretenimento, transporte e muito mais.
Há exemplos de distritos de inovação em ciências da vida em diversos países, como EUA, Israel, Noruega, Coreia do Sul, China e outros. Entre estes países, acredito que o que mais se destaca é o EUA que possui enormes hubs de life science em cidades como San Francisco, San Diego, Boston e New York. Destas 4, acredito que a que mais se destaca é Boston e seus arredores, incluindo Cambridge, em especial. Nesta grande cidade não há apenas 1 distrito de inovação e sim vários. Uma das razões para isso é a grande concentração de universidades na região, incluindo algumas das mais conceituadas no mundo como Harvard, MIT e Boston University.
Durante a pandemia, o mercado imobiliário no mundo todo sofreu com rescisões de contrato e aumento de vacancia. Em geral, as empresas tem questionado a importancia de ter um escritório físico. No caso do mercado de life science o comportamento é diferente, pois não se faz pequisa e nem se cria biotechs em homeoffice.
Segundo a consultoria Newmark Knight Frank Research, ao final do 2o trimestre de 2020, a vacancia de prédios nos life sciences districts em Boston/Cambridge era inferior a 2%. Apenas como referencia, no mesmo período a cidade de São Paulo tinha em torno de 14% de imóveis comerciais esperando um novo locatório.
Você pode pensar: "ah mas isso foi algo pontual em Boston, pois a região concentra mais de 100 empresas pesquisando a cura para o Covid19 e recebeu aproximadamente 20% de todo o investimento global destinado para o desenvolvimento da vacina...". Porém, a grande demanda pelos life science buildings de Boston não é recente, já existe há mais de 10 anos como podemos ver no gráfico abaixo:
Como é natural de se esperar de um mercado, a medida que a taxa de vacância caiu de 15% para 2% em 10 anos, os preços também aumentaram, atingindo uma valorização de mais de 40% na região. Além da relação oferta-demanda, as grandes empresas farmacêuticas estão dispostas a pagar mais caro pelo aluguel para estarem próximas de onde a inovação em ciências da vida acontece.
Há basicamente 3 distritos de inovação em Cambridge, mas o principal fica em East Cambridge, fazendo divisa com Boston e contabilizando quase 1 milhão de m2 construídos. Em Boston, o projeto mais recente, e acredito que um dos mais legais, seja o Seaport.
Próximo de Harvard, MIT e Boston University, o Seaport é a revitalização de uma grande área no porto de Boston. Hoje, já há mais de 200mil m2 de área construída para locação, além de diversas áreas para lazer, entretenimento, moradia, esporte e mais, criando um novo bairro com as melhores condições para as pessoas viverem, trabalharem e se encontrarem. https://www.bostonseaport.xyz/
Localizado em San Diego, California, o UTC é um distrito com mais de 400mil m2 de área construída dedicada a empresas e negócios de ciências da vida. Segundo a consultoria imobiliária JLL, em 2019 o índice de vacância fechou em apenas 6,9% na região. Entre os destaques no UTC está o prédio i3, o qual foi alugado em 2018 para ser tornar o novo headquarter da Ilumina, grande produtor global de equipamentos para laboratório.
De forma geral, a expectativa de vida no mundo tem se tornado mais longa e a população média está envelhecendo. Ao mesmo tempo, estamos tendo muito avanço científico, aumento na acurácia em diagnósticos e equipamentos, crescimento em tecnologia e inovação, além da ampliação do nosso conhecimento para lidarmos com grandes quantidades de dados ("big data"). Tudo isso se relaciona e cria infinitas possibilidades de negócios para serem exploradas. Além disso, com a pandemia percebemos o quanto somos vulneráveis a vírus e precisamos nos preparar melhor para eventuais novas pandemias. A valorização e investimentos em ciências só tendem a aumentar.
Do ponto de vista imobiliário, há dúvidas sobre a demanda por prédios de escritórios pós-pandemia, visto que para muitas empresas o homeoffice parece estar funcionando bem e entregar seus escritórios representa uma oportunidade para redução de custos. No caso de negócios de ciência da vida é diferente, pois não se faz pesquisa laboratorial em casa.
De homeoffice não se cria biotechs.
É preciso infraestrutura laboratorial, equipamentos de alto valor e rigorosos protocolos de boas práticas e segurança. Isso não se monta em casa e no pós-pandemia a atenção e investimento em ciências da vida só tendem a crescer, o que irá demandar novas infraestruturas laboratoriais.
Acredito que nos próximos anos as biotechs ficarão tão populares quanto são as fintechs hoje e isto irá aumentar ainda mais a demandar por infraestrutura laboratorial no país. O Brasil tem a maior riqueza em biodiversidade e está entre os maiores publicadores de pesquisa cientifica no mundo (17º lugar no Web of Science Documents). No entanto, estamos mal posicionado em inovação (69º lugar no Global Innovation Index) que considera as pesquisas que são transformadas em produto/serviço e vão a mercado. Algumas das razões para isso são a nossa pouca infraestrutura laboratorial de ponta e muitas dificuldades para acesso.
Temos um enorme potencial para posicionar o país como um produtor de inovação em biotecnologia. O caminho para conquistarmos isso é o investimento em infraestrutura laboratorial e o desenvolvimento do nosso ecossistema unindo a colaboração de universidades, grandes empresas, investidores, empreendedores e governo. Se tudo der certo, espero ver muitos laboratórios e life science buildings sendo construídos por aqui.
Entre os lugares candidatos para isso acontecer, acredito que a região da Vila Leopoldina em São Paulo tem um enorme potencial. A apenas 10min da Av. Faria Lima, centro financeiro e de negócios do país, a Vila Leopoldina/Jaguaré concentra a maior universidade do Brasil (USP), a maior infraestrutura laboratorial (IPT), além do interesse público-privado em iniciativas de desenvolvimento urbano como o projeto do PIU Vila Leopoldina e o CITI - Centro Internacional de Tecnologia e Inovação. Sem deixar de mencionar o STATE, hub de inovação com foco em ciências, cidades e criatividade, e o Kori Bio Lab, um laboratório privado multi-usuário para biotechs que será inaugurado em 2021.
O desafio é grande, mas temos um potencial gigante para posicionar o Brasil na vanguarda em inovação de base científica se conseguirmos nos organizar e atrair investimentos para infraestrutura laboratorial, pesquisa e desenvolvimento de empresas.