Como espaços puramente de trabalho, é possível que sim. Para muitas empresas o home office funcionou, a maior parte da equipe está produtiva, os KPIs estão em dia. Além disso, o receio de que as pessoas ficariam dispersas trabalhando em casa evaporou. A maioria das pessoas está trabalhando até mais, embora não podemos esquecer que nos últimos meses está(va)mos em quarentena e com a "vida normal" parada. De qualquer forma, gestores estão com a percepção até negativa sobre o valor dos escritórios, pois no momento estes representam apenas um custo para as empresas, visto que as pessoas não estão usando.
Mas embora a performance do trabalho em casa tenha andado bem e a redução de custos seja atraente, é difícil prever quais seriam os efeitos no médio-longo prazo de uma mudança cultural onde a empresa desmonte seu escritório e todos passem a só trabalhar de casa.
Será que a tecnologia é capaz de replicar a interação entre as pessoas como em um escritório?
O que uma redução na interação pode causar?
Como será o impacto na criatividade, colaboração, cultura e gestão de talentos?
Estes são alguns dos questionamentos que os gestores devem fazer. As respostas ainda não temos, mas podemos aprender com estudos e experiências de outras empresas.
Por volta de 2010 duas grandes empresas iniciaram o modelo de home office: IBM (40% dos colaboradores) e Yahoo (100%). Anos depois os gestores concluíram que a interação entre as pessoas fez falta e impactou na produtividade, nos negócios e no turnover de colaboradores. Marisa Meyer (Yahoo), Tony Shea (Zappos) e Steve Jobs (Apple) sempre defenderam a importância não apenas das pessoas trabalharem juntas, mas também de pontos estratégicos dentro das empresas que promovam "serendipidade", isto é, oportunidades de encontros e trocas de ideias que pode resultar na criação de algo.
"Algumas das melhores decisões e insights na empresa surgiram de conversas e discussões na cafeteria e no corredor, não em reuniões pré-marcadas"
Marisa disse que "algumas das melhores decisões e insights na empresa surgiram de conversas e discussões na cafeteria e no corredor, não em reuniões pré-marcadas”. Jobs dizia que a criatividade surge de encontros e conversas espontâneas e salientava a importância de espaços físicos na empresa que promovessem estes encontros.
Seu objetivo é trazer elementos para reflexão sobre como deve ser o futuro do trabalho e o valor dos espaços físicos e também estimular que cada líder busque o modelo que melhor atenda a sua equipe e negócio. As pessoas devem ser o ponto central na análise sempre lembrando que cada pessoa é diferente. Da mesma forma, cada empresa tem sua cultura, processos, modelos, etc.
A primeira armadilha que devemos evitar é pensar de forma binária (0 ou 1; home office ou escritório).
O caminho mais sábio provavelmente é combinar "0 e 1" e criar o modelo que melhor atenda o bem estar e satisfação dos colaboradores ao mesmo tempo que preserve a cultura da empresa.
Flexibilidade deve se tornar a nova regra nas empresas, desde que continue alinhada a entregas e resultados.
Achar a medida entre "0 e 1" deve ser o desafio das empresas. Para isso há muitas coisas envolvidas na análise. Além das pessoas serem diferentes, elas também tem diferentes funções e as empresas lhes cobram diferentes habilidades.
Habilidades mais técnicas, chamadas de "hard skills", tendem a funcionar bem em home office, enquanto as "soft skills, habilidades mais humanas e relacionadas comunicação interpessoal, criatividade, liderança e capacidade de colaborar com os outros, entre outras, possivelmente funcionem melhor com a interação entre as pessoas.
Ainda há muitas dúvidas sobre a aplicação e performance de habilidades soft em contextos puramente digitais. Ainda temos pouca experiência com isso e um longo caminho a percorrer e aprender.
Por outro lado, as hard skills já demonstraram ser extremamente eficaz onde quer que os colaboradores estejam. Um bom exemplo é a indústria de softwares que já faz tempo que diversas empresas contratam programador do mundo todo passando demandas específicas para o desenvolvimento de códigos.
Temos acompanhado a evolução da tecnologia e visto que computadores já são capazes de executar tarefas técnicas melhor do que os seres humanos.
Logo, as pessoas que são avaliadas unicamente por seus hard skills, possívelmente estarão mais próximas de serem substituidas por uma máquina do que aquelas que geram valor através de suas habilidades com relacionamentos, comunicação e criatividade.
Da mesma forma, talvez tarefas individuais possam ser feitas até melhor de casa, enquanto trabalhos em grupo possivelmente são mais criativos e produtivos com a interação de pessoas em um mesmo ambiente. Quando falamos em trabalho em grupo devemos imaginar não apenas entre os colaboradores da empresa, mas também o desenvolvimento de projetos com fornecedores, clientes, startups, etc. O relacionamento e a colaboração com outros players é a base para a construção de uma cultura de inovação aberta, modelo que tem se provado bastante eficaz para a melhoria e criação de novos produtos e serviços no mercado.
Desenhei a matriz abaixo para ilustrar a idéia dos formatos de trabalho que parecem fazer mais sentido:
Como um espaço puramente de trabalho acredito que sim. No entanto, como um HUB talvez estejamos apenas começando a reconhecer o seu potencial.
As pessoas podem trabalhar a maior parte do tempo de qualquer lugar, mas ter um ponto comum para relacionamento, colaboração, trabalhos com equipes, co-criação, além de estações de trabalho para quem quiser pode não apenas ser produtivo para a empresa como contribuir para o desenvolvimento e bem estar de todo o time. Se as pessoas ainda tiverem a oportunidade de se relacionar em um espaço com outras empresas, a experiência pode ser ainda mais rica.
O conceito de "headquarter" parece obsoleto. Já estamos no tempo da flexibilidade e dos "hubquarters".
Referencias:
Sobre o autor:
Jorge é fundador e CEO do STATE, um hub de inovação com foco em ciências, cidades e criatividade que trabalha com grandes empresas na criação do futuro do trabalho. Ele foi um dos pioneiros em coworking no Brasil através da rede PLUG e participou na fundação e operação do Cubo (Banco Itaú). Antes disso, Jorge atuou por mais de 10 anos no mercado financeiro trabalhando com finanças estruturadas, private equity e turn around. Jorge também é co-fundador do Dinamo, grupo de políticas públicas no tema empreendedorismo e tecnologia, e da Sangha Investments boutique de investimentos de impacto.