O que é o amor? – perguntei do outro lado balcão. Maria*(nome fictício),54, me disse que “amor é amor”.
Como assim? – questionei. “Criei 4 filhos do meu ex-marido e 3 “nossos””, respondeu Maria, com um olhar atendo para uma criança que chorava no colo de sua mãe - na saída da padaria, onde Maria trabalha.
Segundo Maria, com o tempo ela foi ficando mais “madura” e isso muda a forma de amar. Separada há 15 anos, e, em uma nova relação há uma década, Maria disse que não sente mais “coisas estranhas” de estar apaixonada, mas que fica feliz ao ver seu companheiro.
Pupila dilatada, perda de sono, sensação de estômago enjoado - tudo isso acontece porque quando estamos apaixonados uma série de reações químicas são desencadeadas no nosso corpo, nos deixando mais felizes e menos estressados.
De acordo com um estudo coordenado pela antropóloga biológica norte-americana Helen Fischer, na Universidade de Rutgers, Nova Jérsei, Estados Unidos, foi identificado que diferentes hormônios estão ligados a três momentos do romance: desejo, atração/conquista e ligação.
No primeiro momento, o desejo, é caracterizado pela sexualidade. Com base na evolução, entende-se como a necessidade (instinto) do ser humano de se reproduzir.
Por isso, nessa fase são liberados os hormônios sexuais: testosterona e estrogênio. Já na atração/conquista, existe a sensação de “recompensa”, com a liberação da dopamina, que está relacionada ao bem-estar.
De acordo com F*, (que preferiu não se identificar), 35, o amor dói e deixa o coração em “pedaços”.
Sentimentos como os descritos por F., são retratados há séculos em histórias como: Tristão e Isolda, do historiador da França medieval - Adolphe Joseph Bédier, ou do amor trágico de Pedro Abelardo e Heloísa de Argenteuil, descrito por longas correspondências entre ambos, ao longo do século XI, ou pela obra de dramaturgia escrita no final do século XVI, Romeu e Julieta, do escritor inglês Willian Shakespeare.
Para o psicólogo e psicanalista, Plínio Carpigiani, a psicologia entende que as formas afetivas e amorosas são fundamentais para o desenvolvimento humano. Carpigiani ressalta que: “o amor é o sentimento mais elaborado que existe, e, é construído lentamente. Composto por outros sentimentos prévios, como por exemplo o respeito. Sem respeito não há amor".
Paixão e amor
Existe, no senso coletivo, a ideia que paixão é diferente de amor. Se o amor "a todo amado a amar obriga", como diz Francesca no relato de sua sina no segundo círculo do inferno, os sofrimentos descritos por Dante Alighieri em sua jornada obrigam todos a sentir alguma coisa: compaixão, raiva, indignação, pena. Vai depender das histórias e experiências de cada um.
F., ressalta que seu coração está ferido, depois de uma traição por sua parte, e que apesar de ter se apaixonado algumas vezes, durante sua vida, “agora não sabe onde termina seu sentimento e começa o do outro”. F., conta que se relaciona há quase duas décadas com a mesma pessoa, com alguns intervalos e um filho, e apesar de ter vivido outras relações ao longo dos anos, seu coração está “doendo”.
Para o dr. Plínio, "a paixão, é um estado psíquico que gera, quando estamos nele, diversos sentimentos. Um deles pode vir a ser o amor. No estado de “apaixonamento”, nos misturamos com o outro e nos reconhecemos neste outro”.
No matrimônio do Paraíso e Inferno, William Blake, descreve de forma vigorosa, deliberadamente escandalosa, às vezes cômica o ataque contra os timidamente convencionais e arrogantes membros da sociedade, assim como contra muitas das opiniões no repertório da piedade e moralidade do cristianismo ortodoxo.
Quando olhamos para o passado podemos ver valores que foram “implementados socialmente” sobre a forma de nos relacionarmos. Existe uma questão física e cultural, onde aprendemos a amar e ser amados.
Inicialmente, Blake aceita a terminologia da moralidade da classe média Cristã (“o que os religiosos chamam Bem & Mal”), mas inverte seus valores. Nesse uso convencional o Mal, que se manifesta pela classe de seres chamados Demônios e que confia um homem ao Inferno ortodoxo, é tudo o que se associa com o corpo e seus desejos e consiste essencialmente de energia, abundância, ato, liberdade.
Na obra de Blake, podemos fazer uma analogia ao amor romântico, que por sua vez é o mais comum na sociedade. Seguindo os valores tradicionais, o amor anula nossa individualidade. E, mais: ele prega que quem ama não se interessaria ou transaria com mais ninguém. Isso gera sofrimento e, quando se descobre a traição, se tem a sensação de que não se é amado, afirma Maria*, ao relembrar seu matrimônio de quase duas décadas, que teve um fim trágico como de F, por conta da atração sentida por alguém fora do relacionamento.
Fases do amor
Na terceira fase, do amor, que diz respeito à ligação, ao envolvimento mais prolongado e ao relacionamento propriamente dito existe a liberação de ocitocina e vasopressina mais presentes. A ocitocina, também chamada de hormônio do amor, é liberada com abraços, beijos e relações sexuais.
Para o multiartista e criativo social, Guil Macedo, o tipo de amor “controlador” está saindo de cena e abrindo portas para a compaixão, afinal o amor não escolhe a quem amar. “Muitas vezes ele não é recíproco no momento em que queremos, mas é presente de alguma forma”, afirma o artista.
Segundo Macedo, é preciso paciência e sabedoria para amar e ser amado. “É preciso que tenhamos resiliência e antes de tudo que pratiquemos o amor próprio”, conclui.
Os médicos psiquiatras Richard Schartz e Jacquelina Olds, professores da Universidade de Harvard, avaliam em um artigo que há mudanças inevitáveis no amor ao longo do tempo. "O amor apaixonado dá espaço a um amor mais profundo, mas não tão eufórico como o experimentado durante os primeiros estágios do romance", afirmam os médicos.
Para Carpigiani, se apaixonar é importante, pois revela uma vida mental ativa, saudável e com capacidade de perceber o outro e estar com este outro. “O amor é importante pois exige mais de nossa capacidade emocional e afetiva, nos fazendo sentir vivos, em movimento e em convivência com o outro, algo essencial para o ser humano”, finaliza o psicanalista.